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Carreira em Medicina
Há relação entre vacinas e infertilidade?
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Giuliana Fulco
10 min
• 28 de jun. de 2021
Índice
1.
Mulheres acreditam que se vacinar pode ter alterado seu ciclo menstrual
2.
O que sabemos sobre as vacinas do novo coronavírus no contexto da infertilidade humana até então
3.
Essa correlação entre vacinas e infertilidade é nova?
4.
E como uma vacina poderia levar à infertilidade?
5.
Conclusão: vacinas podem alterar a fertilidade?
6.
Referências
7.
Leituras relacionadas
Índice
Desde que começou a corrida por uma vacina no contexto pandêmico global, e após finalmente essas vacinas estarem disponíveis ao público, muitos se perguntam quais efeitos elas poderiam ter ao entrar em contato com nosso organismo, se haveria alguma reação adversa. Nos EUA, desde o final do ano passado, mulheres reportaram mudanças em seus ciclos menstruais após tomarem alguma vacina para a COVID-19 e se iniciou uma inquietação sobre seus efeitos a longo prazo para a infertilidade. Mas seria isso de fato uma consequência delas?
Mulheres acreditam que se vacinar pode ter alterado seu ciclo menstrual
A relação entre o ciclo hormonal feminino e a vacina da COVID-19
Em dezembro de 2020, ainda no início da vacinação, diversas mulheres americanas notaram algo peculiar: seus ciclos menstruais estavam atrasados, com um fluxo mais leve ou mais intenso, ininterrupto, com algum tipo de alteração de aspecto ou frequência, logo após terem se vacinado. Não demorou para as pessoas relacionarem isso à recente aplicação da vacina para SARS-CoV-2, e os indivíduos submetidos à vacina se alarmaram quanto a sua fertilidade futura. No entanto, essa evidência anedótica não servia para comprovar que as vacinas teriam alguma relação com uma alteração menstrual e tampouco que afetariam a fertilidade ou o aparelho reprodutor.
A matemática por trás desse fenômeno
Na estatística, um dos vieses de percepção bem conhecido é o da correlação-causalidade; só porque dois eventos ocorrem juntos, não existe implicância necessária que um seja resultado do outro. Eles precisam de um mecanismo claro para elucidar como um ocasionaria o outro, ou pelo menos uma correlação muito forte para justificar mais estudos de um possível mecanismo.
Você conhece um grande exemplo disso? Existe uma correlação forte entre vendas de sorvete e mortes por afogamento, mas essas variáveis não são responsáveis pela causa uma da outra. Seria cruelmente cômico afirmar que comprar um sorvete de alguma forma aumentaria sua chance de morrer afogado na praia. Na verdade, o que acontece é que as vendas de sorvete aumentam durante o verão, assim como mais pessoas saem para nadar (e morrem afogadas nadando). O verão seria uma variável de confusão, que falseia uma associação entre as duas variáveis. Logo, no caso de uma alteração menstrual acontecer junto da vacina não indica obrigatoriamente que ela seja ocasionada pela vacina.
Além disso, sabemos que o ciclo menstrual é influenciado por uma gama de fatores ambientais e endógenos, sendo o componente emocional decisivo para o funcionamento adequado do eixo hipotalâmico, responsável pela regulação hormonal. Não poderia então a oligomenorreia ou menorragia serem resultados de meses de confinamento, estresse e dano emocional pelo contexto global da pandemia? Essa seria a nossa própria variável de confusão, e é por isso que, de início, não podemos afirmar que a causa dos problemas cíclicos destas mulheres estava relacionada à vacina, porque esse problema é de etiologia multifatorial.
O que sabemos sobre as vacinas do novo coronavírus no contexto da infertilidade humana até então
Depois que o pânico e a incerteza se instauraram, o American College of Obstetricians and Gynecologists lançou mão de alguns estudos, em animais e humanos, para determinar que não existe evidência alguma no momento que aponte para uma interferência das vacinas para COVID-19 (Pfizer-BioNtech, Moderna e Janssen) na fertilidade feminina, a longo ou curto prazo.
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Seu posicionamento oficial é que as vacinas são recomendadas para todas as pessoas elegíveis, do sexo masculino ou feminino, que desejem se reproduzir futuramente.
Entretanto, em decorrência da celeridade com a qual as vacinas foram empregadas na população, mais estudos serão necessários para determinar com profundidade todos os efeitos das respectivas no aparelho reprodutor humano. Por isso, muitas agências já iniciaram modelos longitudinais para avaliar o parâmetro das gestações pós-vacina.
Essa correlação entre vacinas e infertilidade é nova?
Embora a pandemia tenha trazido o tema à tona novamente, não é a primeira vez que uma população sente receios pela sua fertilidade em decorrência de uma vacina. Na última década, a vacina do HPV foi alvo de preocupação, devido ao risco aparente percebido de produzir Insuficiência Ovariana Primária (menopausa precoce) em adolescentes que haviam se vacinado e notaram variações em seus períodos.
A preocupação foi ganhando destaque e levou à produção de vários estudos, sendo um da American Academy of Pediatrics, disponíveis no site do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Nenhum encontrou risco aumentado significante na incidência da IOP em jovens vacinadas para HPV.
O CDC também pontua que a vacina do HPV possui um papel fundamental na fertilidade feminina, dado que é a forma de prevenção primária contra a etiologia mais frequente de câncer cervical, uma causa importante de infertilidade entre as mulheres.
E como uma vacina poderia levar à infertilidade?
Como funciona uma vacina
Para responder a essa pergunta, vamos voltar ao conceito de vacina: um imunógeno, ou seja, antígeno capaz de produzir resposta imune, utilizado para estimular o sistema de memória imunológico a produzir anticorpos contra aquele mesmo antígeno.
Em outras palavras, uma vacina é uma ferramenta que estimula o organismo a destruir uma proteína, normalmente advinda de um organismo que venha a produzir uma patologia.
Mas é aí que fica interessante: só porque este não é seu papel habitual, não significa que uma vacina não possa induzir uma resposta de anticorpo contra um imunógeno não patogênico, ou mesmo causar alterações imunobiológicas que levem a uma resposta em um aparelho inesperado. Com isso em mente, pesquisadores indianos estão tentando desde a década de 90 produzir uma vacina que provoca a infertilidade.
A vacina contraceptiva
Nesse caso, a infertilidade não seria um efeito adverso da vacina, mas o seu propósito, como uma forma de contracepção permanente, ou pelo menos, de ação bem prolongada. O mecanismo de ação delas consiste em produzir anticorpos contra a gonadotrofina coriônica humana (HCG), proteínas dos espermatozoides, LHRH, FSH, GnRH, proteínas da zona pelúcida e receptores específicos, dependendo da vacina.
Além da infertilidade, algumas delas também buscam, por meio da eliminação e imunização contra hormônios e receptores, prevenir diversos tipos de cânceres hormônio-dependentes, como o câncer de próstata. Dentre elas, pelo menos a do HCG já está em teste clínico com seres humanos e não parece provocar desregulação do ciclo menstrual.
Conclusão: vacinas podem alterar a fertilidade?
Sim e não. Conforme o exposto, podemos inferir que existem vacinas cujo objetivo é interferir na fertilidade e que podem vir a estar disponíveis, futuramente, vacinas que tenham como reação adversa a diminuição da fertilidade entre homens e mulheres.
Uma vacina poderia afetar o revestimento endometrial por meio de algum mecanismo de sinalização imunológica, de tal forma a provocar sangramentos uterinos inesperados? Também.
No entanto, o que se tem até agora é que as vacinas disponíveis amplamente para a população não têm ainda evidências que provocam efeitos adversos na fertilidade humana ou efeitos uterinos, incluindo as da COVID-19. Outros efeitos adversos independentes da fertilidade, no entanto, são conhecidos e podem acontecer, mas em mínima escala, sem afetar a razão risco-benefício de proteção que conferem.
Autora: Giuliana Fulco
Instagram: giu.fulco
Referências
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COVID vaccine: Period changes could be a short-term side effect. BBC, [s. l.], 13 maio 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/news/health-56901353. Acesso em: 4 jun. 2021.
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O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
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