O Alcogal abriu empresas ‘offshore’ para 160 políticos e altos funcionários públicos. Odebrecht foi sua cliente com conta de 30 milhões de dólares para pagar subornos. Também abrigou conta de José Maria Marin, ex-presidente da Fifa, e Paulo Roberto da Costa, ex-diretor da Petrobras.
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BRENDA MEDINA - JESÚS ESCUDERO - EMILIA DÍAZ-STRUCK
OCT 04, 2021 - 15:04 EDT
Um dos principais escritórios de advocacia da América Central, chamado Alemán, Cordero, Galindo & Lee, voltou a entrar no modo “redução de danos”. Os Estados Unidos haviam acusado os diretores de um banco privado europeu de aceitar comissões exorbitantes para ajudar seus clientes a lavarem 4,2 bilhões de dólares saqueados dos cofres públicos. Entre esses clientes havia ex-funcionários de alto escalão da estatal petroleira venezuelana, a PDVSA, uma instituição infestada pela corrupção num país mergulhado no caos, além de outros com estreitos vínculos com o governo. O escritório, conhecido como Alcogal, tinha motivos para se alarmar: alguns dos venezuelanos implicados no escândalo eram clientes seus. Tinha aberto empresas fictícias para eles no exterior.
Seguindo um roteiro bastante conhecido, a empresa panamenha montou rapidamente uma equipe para lidar com a emergência e decidiu abrir mão de ser o agente registrado de muitas empresas. O motivo da decisão: “o impacto das notícias negativas” e “o nível de risco que estas empresas representam por causa das pessoas que as integram”, segundo um relatório interno de 2015 redigido em espanhol. Para um escritório de advocacia prestigioso como esse, que representa empresas do porte do Citibank e Pfizer, a criação de pessoas jurídicas para antigos membros do Governo venezuelano poderia acarretar um grande risco de estar colaborando involuntariamente com atividades de lavagem de capitais.
Mas o Alcogal não chegou a representar um papel destacado no setor da sonegação fiscal e ocultação de ativos por recusar clientes de risco.
MAIS INFORMAÇÕES
Leia a cobertura completa sobre a investigação 'Pandora Papers'
Nas últimas três décadas, essa empresa panamenha se tornou um ímã para os ricos e poderosos da América Latina e de outras regiões que pretendem ocultar suas fortunas no exterior, conforme mostra um maciço vazamento de documentos empresariais obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês). Estes documentos estão sendo chamados de Pandora Papers.
A empresa serviu de intermediária para mais de 160 políticos e ocupantes de cargos públicos, segundo os documentos. Entre seus clientes houve presidentes panamenhos, um destacado candidato nas eleições do próximo mês em Honduras, o presidente do Equador e o rei da Jordânia. Quase metade dos políticos mencionados nos documentos vazados tinha vínculos com o Alcogal.
Esse escritório também prestou serviços a personagens implicados em alguns dos mais notórios escândalos de corrupção da história latino-americana recente, como a operação de suborno mundial da empreiteira brasileira Odebrecht (agora rebatizada como Novonor), o escândalo internacional de corrupção no futebol conhecido como Fifagate, assim como o suposto saque do patrimônio público venezuelano.
A investigação dos Pandora Papers se baseia em mais de 11,9 milhões de documentos confidenciais de escritórios de advocacia e outros prestadores de serviços em paraísos fiscais. Mais de dois milhões de registros procedem do Alcogal. O ICIJ obteve os documentos e os compartilhou com 150 veículos de imprensa e organizações do mundo todo.
Quase dois anos de apuração por mais de 600 jornalistas iluminam de forma inédita uma economia à sombra, acessível apenas àqueles que tem dinheiro e contatos suficientes. Empresas como o escritório Alcogal impulsionam essa economia, ajudando clientes ricos a encontrarem refúgios onde possam manter seu dinheiro longe dos olhos de inspetores fiscais e investigadores policiais. O preço, geralmente, é pago pelas pessoas comuns. Os Pandora Papers contêm informações sobre mais de 14.000 offshores instaladas em Belize, Ilhas Virgens Britânicas, Panamá e outros paraísos fiscais, criadas pelo Alcogal em nome de mais de 15.000 clientes, em sua maioria desde 1996.
Em uma carta ao ICIJ, o Alcogal declarou que a abertura de empresas “é apenas um aspecto” dos serviços legais que o escritório presta, sempre operando em “pleno cumprimento de todos os requisitos aplicáveis em cada jurisdição onde trabalhamos”. A empresa “leva a cabo em profundidade as devidas comprovações sobre os clientes que são considerados de alto risco, independentemente da natureza da relação ou do serviço”, afirma a carta.
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Os documentos vazados mostram que o Alcogal abriu mais de 200 empresas fictícias no Panamá e outras jurisdições a pedido da Banca Privada d’Andorra (BPA), um banco com sede nesse pequeno principado situado entre a França e a Espanha. Algumas destas empresas serviram posteriormente para desviar recursos numa trama de corrupção pública venezuelana, conforme mostram os documentos.
Posteriormente, o governo dos Estados Unidos incluiu o banco numa lista de instituições suspeitas, por ser um “instrumento fundamental para a lavagem de capitais”. A maioria das empresas já foi liquidada, e o Alcogal renunciou a administrar algumas delas pouco depois de o BPA ser incluído na lista norte-americana de instituições suspeitas, em 2015.
Também a pedido do BPA, o Alcogal criou duas empresas fictícias que foram posteriormente usadas pela empreiteira brasileira Odebrecht para depositar 30 milhões de dólares pagos em subornos em troca de contratos para obras públicas no Panamá. Parte do dinheiro foi parar nas mãos dos filhos do então presidente panamenho Ricardo Martinelli, segundo os denunciantes. Os filhos respondem judicialmente pelo caso desde o ano passado, e os promotores recomendaram recentemente que Martinelli —que manteve vínculos pessoais com alguns dos fundadores do Alcogal— também seja processado. A família Martinelli nega as acusações.
Os documentos mostram que em 2000 e 2001, Alcogal abriu duas empresas nas Ilhas Virgens Britânicas para beneficiar Juan Carlos Varela, seu irmão, seu pai e outros sócios. Varela foi vice-presidente de Martinelli e em 2014 o sucedeu na presidência do Panamá. Três meses depois a sua posse, uma revisão interna do Alcogal encontrou denúncias de que ele tinha participado de lavagem de dinheiro para financiar sua campanha política. A empresa afirmou que Varela negou as acusações, baseadas apenas em notícias da imprensa, e não em um inquérito oficial, e o escritório avaliou que as notícias não eram relevantes a ponto de exigir investigações adicionais.
Em 2017, Varela admitiu que durante sua campanha a vice-presidente recebeu doações da Odebrecht, empresa que está no centro de uma das maiores investigações de corrupção já feitas na América Latina, mas negou que o dinheiro fosse um suborno. Ao ICIJ, o político disse que as doações de campanha foram feitas conforme a lei e informadas às autoridades eleitorais.As autoridades panamenhas também recomendaram a abertura de processo contra Varela no caso Odebrecht.
Em 2006, o escritório de advocacia registrou uma empresa no Panamá chamada Karlane Overseas S.A. No ano seguinte, todas as 10.000 ações, menos uma, foram transferidas para Nasry Juan “Tito” Asfura, segundo os documentos. Asfura, então vereador de Tegucigalpa, é um dos principais candidatos à presidência de Honduras nas eleições marcadas para o mês que vem.
No ano passado, o procurador-geral desse país centro-americano pediu a um tribunal anticorrupção que julgasse Asfura, atualmente prefeito da capital hondurenha, por suposto desvio de recursos municipais, mas o Tribunal Supremo decidiu não enviar o caso a julgamento. Através de um porta-voz, Asfura declarou ao Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística (CLIPE) e ao Contracorriente, sócios do ICIJ, que não é proprietário da empresa no exterior e não tem investimentos em paraísos fiscais. O banco que ajudou Asfura a criar a Karlene informou aos jornalistas que esta empresa foi usada para comprar terrenos para a família do político e outras pessoas em Tegucigalpa, e desenvolver ali um centro empresarial.
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'PANDORA PAPERS'
O escritório panamenho que ajudou a Odebrecht e a elite latino-americana a ocultar fortunas
O Alcogal abriu empresas ‘offshore’ para 160 políticos e altos funcionários públicos. Odebrecht foi sua cliente com conta de 30 milhões de dólares para pagar subornos. Também abrigou conta de José Maria Marin, ex-presidente da Fifa, e Paulo Roberto da Costa, ex-diretor da Petrobras
Escritório do Alcogal, na Cidade do Panamá.
Escritório do Alcogal, na Cidade do Panamá.
TARINA RODRIGUEZ
BRENDA MEDINA JESÚS ESCUDERO EMILIA DÍAZ-STRUCK
OCT 04, 2021 - 15:04 EDT
Um dos principais escritórios de advocacia da América Central, chamado Alemán, Cordero, Galindo & Lee, voltou a entrar no modo “redução de danos”. Os Estados Unidos haviam acusado os diretores de um banco privado europeu de aceitar comissões exorbitantes para ajudar seus clientes a lavarem 4,2 bilhões de dólares saqueados dos cofres públicos. Entre esses clientes havia ex-funcionários de alto escalão da estatal petroleira venezuelana, a PDVSA, uma instituição infestada pela corrupção num país mergulhado no caos, além de outros com estreitos vínculos com o governo. O escritório, conhecido como Alcogal, tinha motivos para se alarmar: alguns dos venezuelanos implicados no escândalo eram clientes seus. Tinha aberto empresas fictícias para eles no exterior.
Seguindo um roteiro bastante conhecido, a empresa panamenha montou rapidamente uma equipe para lidar com a emergência e decidiu abrir mão de ser o agente registrado de muitas empresas. O motivo da decisão: “o impacto das notícias negativas” e “o nível de risco que estas empresas representam por causa das pessoas que as integram”, segundo um relatório interno de 2015 redigido em espanhol. Para um escritório de advocacia prestigioso como esse, que representa empresas do porte do Citibank e Pfizer, a criação de pessoas jurídicas para antigos membros do Governo venezuelano poderia acarretar um grande risco de estar colaborando involuntariamente com atividades de lavagem de capitais.
Mas o Alcogal não chegou a representar um papel destacado no setor da sonegação fiscal e ocultação de ativos por recusar clientes de risco.
MAIS INFORMAÇÕES
Leia a cobertura completa sobre a investigação 'Pandora Papers'
Nas últimas três décadas, essa empresa panamenha se tornou um ímã para os ricos e poderosos da América Latina e de outras regiões que pretendem ocultar suas fortunas no exterior, conforme mostra um maciço vazamento de documentos empresariais obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês). Estes documentos estão sendo chamados de Pandora Papers.
A empresa serviu de intermediária para mais de 160 políticos e ocupantes de cargos públicos, segundo os documentos. Entre seus clientes houve presidentes panamenhos, um destacado candidato nas eleições do próximo mês em Honduras, o presidente do Equador e o rei da Jordânia. Quase metade dos políticos mencionados nos documentos vazados tinha vínculos com o Alcogal.
Esse escritório também prestou serviços a personagens implicados em alguns dos mais notórios escândalos de corrupção da história latino-americana recente, como a operação de suborno mundial da empreiteira brasileira Odebrecht (agora rebatizada como Novonor), o escândalo internacional de corrupção no futebol conhecido como Fifagate, assim como o suposto saque do patrimônio público venezuelano.
A investigação dos Pandora Papers se baseia em mais de 11,9 milhões de documentos confidenciais de escritórios de advocacia e outros prestadores de serviços em paraísos fiscais. Mais de dois milhões de registros procedem do Alcogal. O ICIJ obteve os documentos e os compartilhou com 150 veículos de imprensa e organizações do mundo todo.
Quase dois anos de apuração por mais de 600 jornalistas iluminam de forma inédita uma economia à sombra, acessível apenas àqueles que tem dinheiro e contatos suficientes. Empresas como o escritório Alcogal impulsionam essa economia, ajudando clientes ricos a encontrarem refúgios onde possam manter seu dinheiro longe dos olhos de inspetores fiscais e investigadores policiais. O preço, geralmente, é pago pelas pessoas comuns. Os Pandora Papers contêm informações sobre mais de 14.000 offshores instaladas em Belize, Ilhas Virgens Britânicas, Panamá e outros paraísos fiscais, criadas pelo Alcogal em nome de mais de 15.000 clientes, em sua maioria desde 1996.
Em uma carta ao ICIJ, o Alcogal declarou que a abertura de empresas “é apenas um aspecto” dos serviços legais que o escritório presta, sempre operando em “pleno cumprimento de todos os requisitos aplicáveis em cada jurisdição onde trabalhamos”. A empresa “leva a cabo em profundidade as devidas comprovações sobre os clientes que são considerados de alto risco, independentemente da natureza da relação ou do serviço”, afirma a carta.
Uma sucursal do Banca Privada d'Andorra
Uma sucursal do Banca Privada d'Andorra
HORACIO VILLALOBOS (CORBIS VIA GETTY IMAGES)
Os documentos vazados mostram que o Alcogal abriu mais de 200 empresas fictícias no Panamá e outras jurisdições a pedido da Banca Privada d’Andorra (BPA), um banco com sede nesse pequeno principado situado entre a França e a Espanha. Algumas destas empresas serviram posteriormente para desviar recursos numa trama de corrupção pública venezuelana, conforme mostram os documentos.
Posteriormente, o governo dos Estados Unidos incluiu o banco numa lista de instituições suspeitas, por ser um “instrumento fundamental para a lavagem de capitais”. A maioria das empresas já foi liquidada, e o Alcogal renunciou a administrar algumas delas pouco depois de o BPA ser incluído na lista norte-americana de instituições suspeitas, em 2015.
Também a pedido do BPA, o Alcogal criou duas empresas fictícias que foram posteriormente usadas pela empreiteira brasileira Odebrecht para depositar 30 milhões de dólares pagos em subornos em troca de contratos para obras públicas no Panamá. Parte do dinheiro foi parar nas mãos dos filhos do então presidente panamenho Ricardo Martinelli, segundo os denunciantes. Os filhos respondem judicialmente pelo caso desde o ano passado, e os promotores recomendaram recentemente que Martinelli —que manteve vínculos pessoais com alguns dos fundadores do Alcogal— também seja processado. A família Martinelli nega as acusações.
Os documentos mostram que em 2000 e 2001, Alcogal abriu duas empresas nas Ilhas Virgens Britânicas para beneficiar Juan Carlos Varela, seu irmão, seu pai e outros sócios
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